O artista brasileiro Júlio Vieira fala sobre suas muitas dualidades em música, cachorros-quentes e metapaisagens, ao som de sua playlist: Made in Brasa.
Brazilian artist Júlio Vieira talks about his many dualities on music, hot dogs and metalandscapes, while cradling us with his curated playlist: Made in Brasa.
Bianca Albino: Conta sobre você. Faz quanto tempo que você pinta? E onde é que você mora e trabalha?
Júlio Vieira: Bom, eu desenho desde criança, então acho que a arte esteve presente na minha vida desde muito cedo. Mas profissionalmente eu faço isso desde 2017, foi quando resolvi viver de fato essa vida de artista profissional. Desde esse período eu comecei a pesquisar e procurar meios para conseguir sobreviver do trabalho autoral. Mas antes disso eu fui diretor de arte e tenho uma formação em design. Então acho que toda essa trajetória de antes contribuiu para eu construir uma carreira mais sólida dentro desse campo da arte contemporânea. Basicamente, meu trabalho se dá através do desenho e da pintura. Mas eu tenho muito interesse também em outras linguagens.
Eu trabalho aqui no centro de São Paulo, no Prisma Galpão, um espaço que eu loquei com o meu sócio, que é um artista chileno. Ele é pintor também, somos cinco artistas aqui. Cada um trabalha com uma linguagem diferente. Então, de alguma forma, isso contribui para essa pluralidade, e estar num ateliê coletivo agora tem me estimulado também a pesquisar escultura, vídeo, instalação, gravura. Mas a linguagem que eu tenho mais intimidade é a pintura. Eu me considero primeiro um desenhista, depois um pintor. Acho que vai por aí.
Bianca Albino: Tell us about yourself. How long have you been painting? And where do you live and work?
Júlio Vieira: Well, I've been drawing since I was a kid. So, I think art has been present in my life from a very young age. I decided to actually live my life as a professional artist in 2017, and since then I’ve been researching and looking for ways to be able to survive through authorial work, but before that I was an art director, and I have a background in design. I think that all this trajectory from before contributed to building a more solid career within the field of contemporary art. Basically, my work is done through drawing and painting, but I am also very interested in other art forms.
I work in the center of São Paulo, at Prisma Galpão, a space that I leased with my partner, who is a Chilean artist. He is also a painter, and we are five artists working in the space. Each one works with a different art discipline, and that collective environment encourages me to research other media and other ways of expressing myself through art. Sculpture, video installations, drawing, engraving. I have more intimacy with the language of painting. But I would consider myself first a draftsman, then a painter.
BA: É difícil também você não ter esse desejo de explorar disciplinas múltiplas morando no centro de São Paulo, né? Um lugar de muitas, muitas camadas.
JV: Acho que toda grande capital tem um pouco disso, né? de receber gente de diversos lugares. Chicago também é assim.
BA: E como é que a música influencia a sua arte?
JV: Na verdade, eu tentei ser músico antes de ser artista. Eu tentei tocar em algumas bandas que faziam um ritmo mais de rock quando era mais jovem. Mas o que eu mais gostava de fazer era a programação visual da banda, de criar a capa dos álbuns, os cartazes dos shows. Então, na verdade, a banda era meio que uma desculpa para eu fazer o que eu queria fazer mesmo, que eram as artes gráficas. Mas a música está presente na minha vida desde sempre, uma coisa não existe sem a outra. Eu não existo pintando sem ouvir música. Acho que as duas coisas caminham juntas, apesar de serem linguagens diferentes.
BA: Qual é e quais eram as referências que seus pais te passaram?
JV: E acho que principalmente a música brasileira. Apesar de eu ter nascido aqui em São Paulo, meus pais são do Nordeste, então tem muita coisa das reuniões de família nos finais de semana. E aí sempre tinha essa coisa da música brasileira, do forró, do samba, da música popular. Isso de alguma forma acabou me moldando. Num primeiro momento, quando era criança e adolescente, eu meio que negava isso. Eu gostava de andar com meus amigos e eles gostavam de punk rock e de rap, né? E negava aquela coisa do samba, do forró, enfim. E depois, com o tempo, a gente vê que isso na verdade é uma grande besteira e que a gente tem que estar sempre aberto para absorver cada vez mais essas referências. A união de música e vídeo também pode potencializar as duas. Quando eu trabalho com esses vídeos de processos relacionados ao meu trabalho, eu sempre gosto também de dar um palpite na trilha sonora, então acho que aquela coisa do músico ainda existe lá atrás.
BA: I think it’s hard not to have a desire to explore multiple avenues living in the center of São Paulo, a place of many, many layers.
JV: I think that every big capital has a bit of that, you know, welcoming people from different places, right? Chicago is like that too.
BA: And how does music influence your art?
JV: Oh, I tried to be a musician before becoming an artist! I tried playing in some rock-leaning bands when I was younger. But what I liked the most was doing the band's visual assets, creating album covers, concert posters. So the band was actually kind of an excuse for me to do what I really wanted, which was graphic arts. But music has always been in my life. Since I was a kid, I have been stimulated through musical references from my parents, then through friends. I usually say that one thing doesn't exist without the other, I don't exist painting without listening to music. I think the two things go hand in hand, despite being different languages.
BA: What were the references that your parents gave you?
JV: Mainly Brazilian music. Although I was born here in São Paulo, my parents are from the Northeast, so there are a lot of family gatherings on weekends and the soundtrack was always forró, samba, popular brazilian music. At first, when I was a kid and teenager, I renounced it. I would hang out with my friends and they liked punk rock and rap, right? I would renounce the samba, the forró. And then, with time, we realize that’s actually nonsense. We always have to be open to absorb these references more and more. And uniting music with the visual arts is an opportunity to enhance both. When I work with video projects related to my work, I give some tips on the soundtrack. I really like working on that part, so I think that musician thing is still back there somewhere.
BA: Deixa eu te perguntar da tua playlist, eu vi que tem muitos artistas que foram marcos na independência musical da cultura brasileira, com vozes de compositores e intérpretes grandes que têm nos deixado, como Gal, Erasmo, Rita Lee. Eu queria saber se tem alguém nas novas gerações que te inspira, de quem você sente a identificação brasileira que também se aplica ao teu trabalho.
JV: Sim, tem muitos! Eu pensei numa coisa bem plural quando montei essa playlist, no sentido de contemplar todas as regiões do Brasil. Tem a Lia de Itamaracá, que é do Norte, tem o Moraes Moreira, da Bahia. Aí tem o Luiz Henrique, que é do Sul, tem a Rita Lee, que é de São Paulo, tem o Tim Maia, que é do Rio de Janeiro, o Milton Nascimento, Clube da Esquina, de Minas Gerais. Então tentei fazer um apanhado que contemplasse essas regiões do Brasil e mostrar essa diversidade—através do meu gosto, claro. Grande parte dessas músicas que eu escolhi são de artistas que não estão mais aqui, que produziram a maior parte dessas músicas nos anos 70, 60. Mas tem coisa nova também. Por exemplo, a Luedji Luna, que está nessa playlist, é uma artista contemporânea com uma carreira brilhante. Eu gosto de fazer uma boa mistura, colocar artistas que já são muito consagrados, com artistas que não são tão conhecidos assim.
BA: Deixa eu te perguntar então sobre teu trabalho. Você chama várias pinturas de metapaisagens. Como é que você pensa esses elementos de construção dessas camadas de paisagem?
JV: Meu processo é construído com base em algumas referências que eu tenho. Eu gosto de dizer que a minha pintura, principalmente essa série que você mencionou, chamada metapaisagem, é um ponto de encontro de várias referências, então o trabalho, ao mesmo tempo que ele fala das paisagens que eu visito e do dia a dia, eu gosto de inserir de alguma forma ali alguma coisa que está dentro do contexto das artes. Eu pego alguns elementos que já estão bem estabelecidos no campo das artes e faço esses cruzamentos. Coloco eles junto com coisas que são ditas populares, que são de onde eu venho. Então, de alguma forma o trabalho trata de dualidades, ao mesmo tempo que tem uma coisa que está muito bem estabelecida no campo das artes, que é uma coisa erudita, sagrada, tem também um elemento da arquitetura popular, sabe? Então, o trabalho trata dessa dualidade. Ela está não só nesses assuntos que eu escolho tratar dentro dessa pesquisa, mas também na escolha dos materiais. Eu acho que o conceito do trabalho, ele está muito atrelado a isso. Como por exemplo essa pintura aqui. (Júlio mostra a pintura atrás dele com a câmera)
BA: Let me ask you about your playlist. I saw that there are many artists who were milestones in the musical independence of Brazilian culture, with the voices of great composers and interpreters who have recently left us, like Gal, Erasmo, Rita Lee. I wanted to know if there is anyone in the new generations who inspires you, whose Brazilian identity you feel also applies to your work?
JV: Yes, there are many! I thought of the Brasa playlist as something that would cover all regions of Brazil. There is Lia de Itamaracá, who is from the North, there is Moraes Moreira, from Bahia. There is Luiz Henrique, who is from the South, there is Rita Lee, who is from São Paulo, Tim Maia from Rio de Janeiro, Milton Nascimento, Clube da Esquina, from Minas Gerais. So I tried to do an overview of something good to pick up and contemplate from each of these regions of Brazil—through my taste, of course. I think that most of these songs that I chose are from artists who are no longer here. They are people who produced music in the 70s and 60s. But there is so much good stuff, like Luedji Luna, who is also on the playlist, she is a contemporary artist with a brilliant career. I like to pair new artists that are less known with the more renowned Brazilian artists.
BA: Let me ask you about your work. You call several paintings metalandscapes. How do you go about building elements of these layers?
JV: My process is built on some of my references. I like to say that my painting, especially this series you mentioned, the metalandscapes, is a meeting point of several references, so the work reflects landscapes, the environments I visit on the day-to-day, with some elements that exist within the context of the arts and already well established in the field and then make intersections, putting them together with things that are popular and abundant where I come from. So, in a way, the work deals with dualities, at the same time that there is something that is very well established in the field of arts, an erudite , sacred component, there is also something very popular from Brazilian architecture. It is not only these subjects that I choose to address within this research, but also the choice of materials. I think the concept of the work is very much linked to that. Like this painting here for example.(Júlio shows the painting behind him with the camera)
JV: Esse elemento aqui, por exemplo, é uma referência ao trabalho de um artista sul coreano chamado Nam June Paik. Se chama Zen TV e aí eu coloco ele dentro de um contexto, com várias outras referências, com uma coisa mais da arquitetura popular brasileira, que são esses ladrilhos que estão inseridos dentro da figura de um pássaro. Eu gosto muito disso, de trabalhar contrastes dentro da pintura. Uma coisa de liberdade e prisão. Mas a paisagem ela trata disso, né? Dos encontros dos opostos. Seja a matéria pictórica mesmo quando se fala, por exemplo, de fartura, uma coisa bem carregada de tinta e da superfície da tela, e depois faz contraste com o linho que está quase sem tinta. E as cores são análogas e complementares. Então esse meu conceito está inserido tanto na matéria quanto no tema do assunto que eu estou tratando. É um pouco complexo, mas acho que resumindo sim, essa pesquisa vai por aí, vai da coisa de fazer o cruzamento entre assuntos populares que fala muito de onde eu venho, quem eu sou, com elementos que estão estabelecidas no campo da arte contemporânea.
BA: Eu vi que você faz uma construção do seu próprio mundo, mas não é uma construção estática e convencional. Eu acho que tem rasgos, recortes, tem sobreposições e colagens de memória. Eu achei interessante uma coisa de paisagem da tua consciência, que misturam esses elementos abstratos a outros muito realistas.
JV: Aí volta também aquela história da dualidade, né? Porque ao mesmo tempo que tem esse caráter mais figurativo, muitas vezes tem também uma coisa mais abstrata. É também de representar as vegetações, próprias da natureza dos jardins, em contraponto com elementos presentes na arquitetura das cidades. Nessa arquitetura meio decadente, sabe? Em que a natureza acaba se sobrepondo, ela acaba saindo de algum jeito. Isso me chama muito a atenção e é algo que eu tento trazer para as pinturas.
BA: Sim, e essa coisa do remendo ubano também. Uma cidade tem muitos tempos, muitas fases e muitos revestimentos. A memória de um lugar se constrói desse jeito também, dessas trocas de lajotas, de cimento, de tijolos. Dá pra ver essas camadas de história na cidade. Eu percebi isso no teu trabalho também.
JV: Esse é um bom resumo. É um trabalho feito de camadas de metalinguagem.
BA: Você acha que se morasse em um lugar diferente, sua arte seria diferente?
JV: Ah, sem dúvida. Inclusive, eu estive recentemente em Chicago por dois meses. E essa vivência já mudou muita coisa no meu jeito de ver o mundo. Então, com certeza minha próxima produção vai ter alguma influência de coisas que eu via em Chicago. Porque acho que foi um período que, apesar de curto, se esticou por eu estar fora do meu ambiente. Então, em dois meses eu senti que vivi dois anos.
JV: This element here is a reference to the work of a South Korean artist named Nam June Paik. It's called Zen TV, and then I put it in a context with something from popular Brazilian architecture, which are these turquoise tiles that appear inside the figure of a bird. There's a contrast there that I really like. A feeling of freedom and imprisonment. The metalandscapes deal with that, the encounter of opposites. Be the pictorial matter even when speaking, for example, of abundance, something well loaded with paint on the surface of the canvas, and then contrast with the linen, a light wash of color. The colors are analogous and complementary. So this concept of mine is inserted both in the matter and in the theme of the subject that I am dealing with. It's a bit complex, but I think that my research goes from crossing popular subjects that speak a lot about where I come from, who I am, with elements that are established in the field of contemporary art.
BA: I saw that you build your own world, but it is not a static and conventional construction. I think it rips, cuts, overlaps and makes memory collages. I found something about the landscape of your consciousness interesting, it mixes these abstract elements with other very realistic ones.
JV: Then that story of duality comes back, right? Because at the same time that it has this more figurative character, it often also has something more abstract. There’s also the vegetation, typical elements of the nature of gardens, in contrast to things that are present in the architecture of cities. And a rather decaying architecture, you know? Where nature ends up overlapping, it ends up coming out somehow. I find that very interesting, it’s something I try to bring to my paintings.
BA: Yeah, and that urban patchwork thing too. A city has many eras, many phases and many coverings. The memory of the neighborhood and the city is built this way, from these exchanges of tiles, cement, bricks. You can see these layers of history while walking in the city. I noticed that in your work too.
JV: That’s a good summation. It’s work done in layers of metalanguage.
BA: Do you think that if you lived in a different place, your art would be different?
JV: Oh, no doubt. In fact, I was recently in Chicago for two months, and the experience has already changed my way of seeing the world. I’m sure my next production will be influenced by things I saw in Chicago. It was a short period of time that stretched because I was out of my common environment. It felt like I lived two years in two months.
BA: O que te impressionou ou assombrou em Chicago?
JV: Eu não tinha a dimensão do quão grande era. Eu sabia que era uma cidade grande, mas, quando se está aí, é outra coisa. Acho que o que mais me pega assim são os shows que eu fui. Tem uma cena musical muito forte de clubes de jazz e de consumo de LP e disco, que é uma coisa que me impressionou muito. De ver as lojas de discos cheias de gente procurando, comprando. Isso me chamou muito a atenção. E os museus também, poder ver ao vivo trabalhos que eu só via em livro, para mim é uma experiência muito, muito rica.
BA: Mas me diz Julio, você é da Grande São Paulo né?
JV: Eu sou. Eu nasci em Osasco, na Grande São Paulo.
BA: Eu conheci uma pessoa de Osasco e ele me falou que é a terra do pombo e do cachorro quente, é verdade?
JV: Sim, é verdade.
BA: E você experimentou o cachorro quente de Chicago?
JV: Não, não comi o cachorro quente de Chicago, mas imagino que deve ser parecido com o de Nova York.?
BA: Tem umas diferenças. Assim como no Brasil, o cachorro quente de cada lugar tem uma diferença. Quando eu escuto descrições de um cachorro que tem em São Paulo, já me parece um pouco assustador em comparação, mas o de Chicago realmente é muito diferente. Segue a receita: uma salsicha, um pão de cachorro quente com sementes de papoula, mostarda, conserva de picles, cebola crua fatiada, quatro meias-lua de tomate, uma fatia de picles, duas pimentas tabasco e uma pitada de sal de salsão. Eu queria saber se o que seria um cachorro quente perfeito pra você.
BA: What impressed or amazed you about Chicago?
JV: I didn't have the dimension of how big it was. I knew it was a big city, obviously. But when you're there, it's something else. I think what gets me the most are the shows I've been to. It has a very strong music scene of jazz clubs and LP and record consumption, which is something that impressed me a lot. To see record stores full of people browsing, buying. And the museums too, being able to see live works that I only saw in books, for me is a very, very rich experience.
BA: You're from greater São Paulo, right?
JV: I am. I was born in Osasco, in Greater São Paulo.
BA: I met someone from Osasco and they told me that it's the land of pigeons and hot dogs, is that true?
JV: Yes, it's true.
BA: And did you try the Chicago hot dog?
JV: No, I haven't had the Chicago hot dog, but I imagine it must be similar to the one in New York?
BA: There are some differences. Just like in Brazil, each place has a different hot dog. When I hear descriptions of a dog that exists in São Paulo, it already seems a little scary in comparison, but the one in Chicago is very different. Here's the recipe: a sausage, a hot dog bun with poppy seeds, mustard, pickled pickles, sliced raw onion, four half moons of tomato, a slice of pickle, two peppers and a pinch of celery salt. I was wondering what would be a perfect hot dog for you.
JV: Eu acho que o de Osasco seria o melhor do mundo. Tem o pão que a gente chama de pão de banha, salsichas em molho de tomate, purê de batata…
BA: Purê de batata?
JV: Sim, e a batata palha, e os molhos diversos, geralmente três.
BA: Batata de dois jeitos.
JV: É! Batata de dois jeitos. Parece redundante, mas não é.
E aí, por exemplo, tem meu amigo aqui, que divide o ateliê comigo. Ele é chileno. E no Chile existe um cachorro quente que eles chamam de completo, que basicamente são esses ingredientes que eu te falei. Só que ao invés do purê de batata, entra um guacamole. É muito bom, eu gostei bastante.
BA: A gente estava falando de como a cidade tem esse caráter, de ter ambientes que que acabam e que a vida orgânica passa por cima e renasce sobre as ruínas. Seu trabalho tem uma parte botânica muito forte. Eu queria saber se você faz uma escolha deliberada dessas espécies ou é uma coisa de gosto, de assombro por certas formas ou sombras dessas plantas.
JV: No primeiro momento, quando eu comecei a retratar um pouco dessa atmosfera dos jardins, era uma coisa bem específica. Porque eram de plantas que pra mim tinham uma memória afetiva. Esses elementos de casa de vó, sabe? Só que com o passar do tempo, eu comecei a prestar atenção nos jardins selvagens, plantas que crescem independente de controle. Então, eu gosto dessa coisa — eu não diria aleatória, porque nada na natureza é por acaso. Mas essa desordem que existe na natureza me atrai muito e eu acho muito interessante como, por exemplo, uma floresta tropical se constrói. Como é que ela se compõe de ter várias espécies crescendo junto aos bichos mortos, esses ciclos de transmutação me atraem muito, e eu acho que eu vejo isso muito na cidade também, de alguma forma.
JV: I think the Osasco hot dog would be the best in the world. There's the bread we call pão banha, sausages in tomato sauce, there's mashed potatoes…
BA: Mashed potatoes?
JV: Yes. And shoestring potatoes on top. And the various sauces, usually three.
BA: Potato two ways.
JV: Potato two ways. It sounds redundant, but it's not.
And then, for example, there's my friend who shares the studio with me. He is Chilean, and in Chile there is a hot dog they call completo, which are basically those ingredients I told you about. Only instead of mashed potatoes, a guacamole comes in. It's really good, I liked it a lot.
BA: We were talking about how the city has this character, of having environments that crumble, that end and that organic life passes over and is reborn on top of the ruins. Your work has a very strong botanical component. I wanted to know if you make a deliberate choice of these species or is it a matter of taste, of astonishment for certain shapes or shades of these plants.
JV: At the first, when I started to portray a little of that atmosphere in the gardens, it was something very specific. Because they were from plants that for me had an emotional memory. Plants from grandma's house, you know? But as the years went by, I started to pay attention to the wild gardens, plants that grow independent of control. I like this quality of—I wouldn’t say random, because nothing in nature is by chance. But this disorder that exists in nature attracts me a lot and I find it very compelling how, for example, a tropical forest is built, made up of several species growing alongside the dead animals. These transmutation cycles attract me, and I think I see them in the city too, somehow.
JV: Isso que você falou é bem interessante. Da vegetação se sobrepondo ao concreto, isso mostra que natureza vai existir, apesar da gente. É um tema que está sempre em transformação dentro do meu trabalho. Num primeiro momento, tinha uma coisa da escolha das espécies que eu estava pintando e uma pesquisa profunda sobre cada planta que eu estava retratando. Mas hoje o que mais me interessa é como essa natureza se apresenta para a gente, como ela está presente no dia a dia. Hoje eu acho que, assim como a natureza é selvagem, eu penso no meu trabalho como selvagem também.
BA: E do que é feita tua paisagem interna hoje? O que tem te inspirado?
JV: Existe muita coisa, mas principalmente as coisas que passam despercebidas. Eu comecei a reparar, porque é assim que meu trabalho começa: pela observação do que me chama atenção e que está no cotidiano, que a gente passa todo dia por aquela coisa sem perceber. E quando a gente tem um olhar um pouco mais apurado para a cidade e para a natureza, eu acho que elas ficam mais evidentes — é como se chamasse atenção ali, uma coisa ali que você passa batido por ela todo dia. Mas quando você presta atenção nela, não tem como voltar atrás, você sempre vai olhar de outro jeito para aquilo. Eu começo pela observação e, de repente, isso vira uma foto. E a partir dessa foto eu vou construindo a composição. Então é meio planejado, mas eu gosto também de abrir para o que vai acontecendo no acaso.
Então tem aí de novo a dualidade, né? Meu processo tem a parte racional e tem a parte mais espontânea dentro da construção imagética. E acho que o papel do artista é esse, de jogar luz sobre o que está na penumbra. Eu acho que conforme eu vou conhecendo outros lugares, meu repertório vai aumentando. É muito bom isso, porque acho que não vai ter fim, só quando eu morrer. O meu trabalho fala principalmente de paisagem, e eu acredito que a gente também se torna paisagem nos lugares que a gente visita. Então quanto mais lugares eu observo, mais repertório eu tenho pra continuar fazendo isso que eu faço.
JV: What you said is very interesting, about the vegetation overlapping the concrete, it shows that nature will exist, despite us. It is a theme that is always changing within my work. At first, there was a choice of species that I was painting and a deep research on each plant that I was portraying. I just think that as time went by, it faded into the background. I think that today what interests me most is how this nature presents itself to us, in everyday life. Now I think that, just as nature is wild, I think of my work as wild too.
BA: And what is your internal landscape made of today? What is inspiring you?
JV: There is a lot, but mainly the things that go unnoticed. I started looking at them, because that’s how my job starts: with the observation of what calls my attention and that we pass by every day without really looking. And when we look a little closer at the city and nature, they become more evident—once you pay attention to something, there's no going back, you will always see it differently. I start with observation, and suddenly it becomes a photo, from this photo I build the composition. It’s a little planned, but I like to open up to things that happen by chance.
So there is the duality again, my process has a rational part and a more spontaneous part within the imagery construction. And I think that's the artist's role, to shed light on what's in the dark. As I get to visit other places, my repertoire increases. That is very good, because I think it will never end, only when I die. My work talks mainly about landscape and my belief that we become landscape in the places we visit. The more I observe, the more material I have to keep doing what I do.